quarta-feira, 4 de março de 2009

O galante atirador


XLIII
O GALANTE ATIRADOR

O carro atravessava o bosque, quando ele o fez parar à proximidade de um tiro, dizendo que lhe seria agradável atirar algumas balas para matar o Tempo. Matar este monstro não é a ocupação mais trivial e legítima de cada pessoa? - E ele ofereceu galantemente a mão à sua cara, deliciosa e execrável mulher, a esta misteriosa mulher a quem deve tantos prazeres, tantas dores, e talvez também grande parte de seu gênio.

Várias balas bateram longe do alvo proposto; uma delas até cravou-se no teto; e como a encantadora criatura ria loucamente, zombando da inabilidade do esposo, este voltou-se bruscamente para ela e lhe disse: "Observe aquela boneca, lá, à direita, que tem o nariz arrebitado e um jeito tão altivo. Pois bem, caro anjo, faço de conta que é você". E ele fechou os olhos e puxou o gatilho. A boneca foi nitidamente decapitada.

Então, inclinando-se para a sua cara, deliciosa, execrável mulher, sua inevitável e impiedosa Musa, e beijando-lhe respeitosamente a mão, acrescentou: "Ah! Meu caro anjo, quanto lhe agradeço por minha habilidade!"

(autor: Charles Baudelaire)

*Da obra de Charles Baudelaire (1821-1867), mestre da tradição francesa dos poetas malditos, derivaram o anticonvencionalismo de Rimbaud e Lautréamont, a musicalidade de Verlaine e o intelectualismo de Mallarmé. A verve do autor de As flores do mal revela a herança do romantismo negro de Edgar Allan Poe e Gerard de Nerval.

Bibliografia: Baudelaire, Charles. Pequenos Poemas em Prosa. São Paulo: Editora Record, s/d.

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