terça-feira, 12 de maio de 2009
Momento Fernando Pessoa - parte 1
MANHÃ
Para que vens? Já perdi
Há muito a esperança em ti.
Mais um dia? Passará
Como tudo que eu senti,
Tudo que eu nem tenho já.
Estou cansado de tudo
Para que vens? Dormirei
Em breve gélido e mudo.
Vens dizer que eu passarei
Como tu? Eu já o sei.
Passarei. Nessa tristeza
Um dia embalei a vida.
E nem dela de dolorida
Já a formidável certeza
De passar mal é sentida.
P'ra que morrer? Conhecer
Inda quis e me cansei.
Nada soube e nada sei.
Não sei para que viver,
Nem sei porque morrerei.
À indiferença da dor
Extrema pois me recolhi.
Menti, não quero o horror
De pensar
Leva-me cedo p'ra ti.
Mas o inevitável tem
Mais horror que tudo
Mesmo que sejas um bem
Muito queria ter um escudo
Contra ti, ignoto além.
NOITE
Ó Noite maternal e relembrada
Dos princípios obscuros do viver;
Ó Noite fiel à escuridão sagrada
Donde o mundo é o crime de nascer;
Ó Noite suava à alma fatigada
De querer na descrença pode crer;
Cerca-me e envolve-me... Eu não sou nada
Senão alguém que quer a ti volver...
Ó Noite antiga e misericordiosa.
Que seja toda em ti a indefinida
Existência que a alma me não goza!
Sê meu último ser! Dá-me por sorte
Qualquer cousa mais minha do que a vida,
Qualquer cousa mais tua do que a morte!
TRISTEZA
Falo-me em versos tristes,
Entrego-me a versos cheios
De névoa e de luar;
E esses meus versos tristes
São tênues, céleres veios
Que esse vago luar
Se deixa pratear.
Sou alma em tristes cantos,
Tão tristes como as águas
Que uma castelã vê
Perderem-se em recantos
Que ela em solslaio, de pé,
No seu castelo de prantos
Perenemente vê...
Assim as minhas mágoas não domo
Cantam-me não sei como
E eu canto-as não sei por quê.
Comentário: Fernando Pessoa (1888 - 1935) é o maior poeta moderno de Portugal. Dedicou seus estudos a diversas e estranhas variantes, como da astrologia à cabala, do espiritismo à maçonaria. Criou vários heterônimos (entre os principais, Alberto Caeiro, Bernardo Soares, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) que apresentavam visões diferentes da literatura, além de seus estilos distintos. Recomendo procurar mais para conhecer bem este poeta tão diversificado.
*Fonte: Revista Entrelivros n 10. (www.revistaentrelivros.com.br)
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