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quinta-feira, 8 de março de 2012

Gondoleiro do amor


Olá para todos. Aproveitando que hoje é o dia internacional da mulher, coloco um poema de Castro Alves e faço também uma breve menção ao que significa este dia.


Neste 08 de março de 2012, vamos mais uma vez parabenizar as mulheres, sem contudo esquecer o dia 8 de março de 1857, nos Estados Unidos, em Nova Iorque, quando operárias – a maioria imigrantes italianas e judias – que trabalhavam em uma fábrica de tecidos começaram uma greve. Todas foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Cerca de 130 morreram carbonizadas naquele dia.

>>>Texto de Gilvander Moreira.

Leia mais à respeito do Dia Internacional da Mulher: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher



O GONDOLEIRO DO AMOR
(Castro Alves)

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é a cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento;

E como em noites de Itália,
Ama um canto o pecador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora,
Que o horizonte enrubesceu,
— Rosa aberta com biquinho
Das aves rubras do céu.

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no langor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!? ...

Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;

Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor,...
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Nuvens e ventos


CANÇÃO DE NUVEM E VENTO
(Mário Quintana)


Medo da nuvem
Medo Medo
Medo da nuvem que vai crescendo
Que vai se abrindo
Que não se sabe
O que vai saindo
Medo da nuvem nuvem nuvem
Medo do vento
Medo medo
Medo do vento que vai ventando
Que vai falando
Que não se sabe
O que vai dizendo
Medo do vento vento vento
Medo do gesto
Medo
Medo da fala
Surda
Que vai movendo
Que vai dizendo
Que não se sabe...
Que bem se sabe
Que tudo é nuvem que tudo é vento
Nuvem e vento vento vento!

domingo, 30 de outubro de 2011

O guardador de rebanhos


O GUARDADOR DE REBANHOS

Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz


(Alberto Caeiro - heterônimo de Fernando Pessoa)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Momento Clarice Lispector



Olá, amigos do meu blog! Nesta curiosa data (08/09/10), transcrevo frases da brilhante Clarice Lispector retiradas de um site. Com certeza ela merece um bom espaço aqui no meu humilde canto cultural. Clarice é alma, é poesia, é profundidade... É minha poetisa favorita!


"Escrever é procurar entender,
é procurar reproduzir o irreproduzível,
é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada."

"E como nasci? Por um quase. Podia ser outra. Podia ser um homem. Felizmente nasci mulher. E vaidosa. Prefiro que saia um bom retrato meu no jornal do que os elogios."

"Em uma outra vida que tive, aos 15 anos, entrei numa livraria, que me pareceu o mundo que gostaria de morar. De repente, um dos livros que abri continha frases tão diferentes que fiquei lendo, presa, ali mesmo. Emocionada, eu pensava: mas esse livro sou eu! Só depois vim a saber que a autora era considerada um dos melhores escritores de sua época: Katherine Mansfield."

"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca".

"O trabalho está desorganizado, muito ruim, muito confuso. Material eu tenho e em abundâcia. O que me falta é o tino da composição, o verdadeiro trabalho. Minha tendência seria a de pensar apenas e não trabalhar nada. Mas isso não é possível. O trabalho de compor é o pior. Eu mesma vivo me levantando e caindo de novo e me levantando. Não sei qual é o bem disso, sei que é essa forma confusa de vida que vivo. Uma pessoa que quisesse tomar minha direção seria bem vinda...Eu nunca sei se quero descansar porque estou realmente cansada, ou se quero descansar para desistir."

" Quanto a meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias. Sei que um dia abrirão as asas para o vôo necessário, e eu ficarei sozinha. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres." (minha frase favorita!)

"... eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade."


Comentário meu: Clarice nasce em Tchelchenik, na Ucrânia, em 1920. Chega ao Brasil com os pais e as duas irmãs aos dois meses de idade, instalando-se em Recife. A infância é envolta em sérias dificuldades financeiras. A mãe morre quando ela conta 9 anos de idade. A família então se transfere para o Rio de Janeiro, onde Clarice começa a trabalhar como professora particular de português. A relação professor/aluno seria um dos temas preferidos e recorrentes em toda a sua obra - desde o primeiro romance: Perto do Coração Selvagem. Ela estuda Direito, por contingência. Em seguida, começa a trabalhar na Agência Nacional, como redatora. No jornalismo, conhece e se aproxima de escritores e jornalistas como Antônio Callado, Hélio Pelegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Alberto Dines e Rubem Braga. Os passos seguintes são o jornal A Noite e o início do livro Perto do Coração Selvagem - segundo ela, um processo cercado pela angústia. O romance a persegue. As idéias surgem a qualquer hora, em qualquer lugar. Nasce aí uma das características do seu método de escrita - anotar as idéias a qualquer hora, em qualquer pedaço de papel.


Fonte: http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/claricelispector/index.htm

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Intertextualidade - Augusto dos Anjos



VANDALISMO
(Augusto dos Anjos)

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Com os velhos Templários medievais
Entre um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desesperto dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!



BANDALHISMO
(Aldir Blanc)

Meu coração tem butiquins imundos,
Antros de ronda, vinte-e-um, purrinha,
Onde trêmulas mãos de vagabundo
Batucam samba-enredo na caixinha.

Perdigoto, cascata, tosse, escarro,
um choro soluçante que não para,
piada suja, bofetão na cara
e essa vontade de soltar um barro...

Como os pobres otários da Central
já vomitei sem lenço e sonrisal
o P.F. de rabada com agrião

Mais amarelo do que arroz-de-forno
voltei pro lar, e em plena dor-de-corno
quebrei o vídeo da televisão.



Comentário meu: Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na cidade de Engenho de Pau d'Arco, na Paraíba, em 20 de abril de 1884. Era formado em Direito. Morreu de pneumonia em 1914 em Leopoldina, Minas Gerais. Durante sua vida, lecionou em João Pessoa e no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Desejo



D E S E J O


Desejo a você ...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel ...
E muito carinho meu.


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mais um ano de blog!



Olá para os visitantes do blog! Ontem, dia 29, fez dois anos que mantenho o meu blog no ar e, apesar das poucas atualizações que tenho feito ultimamente, não penso em desistir. Estou apenas organizando o meu tempo e sempre com muitas ideias boas pra poder colocar aqui. Ainda estou projetando dar uma cara nova ao meu espaço de pensamentos, bem sobre o que vou colocar, pois os nossos gostos não se mantêm constantes por muito tempo. Por isso é que somos todos mutantes!



"Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos

Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo"


(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sermão de Santo Antônio aos peixes


Olá, galerinha! Estou juntando ideias para mudar o visual do blog na data que comemorar 2 anos (29 de abril). Enquanto isso, vou colocando coisas super interessantes. Um grande abraço!


"Sermão de Santo Antônio aos peixes", do padre Antônio Vieira


Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo a verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Os olhos dos pobres



Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.


De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.


Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.


Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"


Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!


(Charles Baudelaire)


*Curiosidade: para quem não sabe, no vídeo Sarah Brightman canta Fleurs du Mal, mesmo título de um livro de poesias de Charles Baudelaire.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Cale-se!



Olá, amigos. Para enriquecer culturalmente o meu blog, coloco uma música do nosso glorioso Chico Buarque. Chico sofreu com as imposições da época da ditadura militar, que censurava a tudo e a todos. Essa música representa bem a situação vivida na época. Claro que para poder ser avaliada e passar pela censura, a música teve de ser trabalhada em um sentido figurado. A começar pelo título "cálice" (cale-se, ou seja, você não tem direito de se expressar, de colocar a voz no mundo, emitir opiniões). Um grande enriquecimento para o meu blog!


CÁLICE
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque e Gilberto Gil


Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...(2x)

Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

De muito gorda
A porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

Talvez o mundo
Não seja pequeno
(Cálice!)
Nem seja a vida
Um fato consumado
(Cálice!)
Quero inventar
O meu próprio pecado
(Cálice!)
Quero morrer
Do meu próprio veneno
(Pai! Cálice!)
Quero perder de vez
Tua cabeça
(Cálice!)
Minha cabeça
Perder teu juízo
(Cálice!)
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel
(Cálice!)
Me embriagar
Até que alguém me esqueça
(Cálice!)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Amor é fogo que arde sem se ver



Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

(Luís de Camões
)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Violões que choram...


Olá, galera. Hoje eu dedico este espaço a um dos mais belos poemas de Cruz e Sousa, principal poeta simbolista brasileiro.


VIOLÕES QUE CHORAM...
cruz e sousa
(jan. I897)

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações a luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos Nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram,
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas magoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho
Almas que se abismaram no mistério.

Sons perdidos, nostálgicos, secretos,
Finas, diluídas, vaporosas brumas,
Longo desolamento dos inquietos
Navios a vagar a flor de espumas.

Oh! languidez, languidez infinita,
Nebulosas de sons e de queixumes,
Vibrado coração de ânsia esquisita
E de gritos felinos de ciúmes!

Que encantos acres nos vadios rotos
Quando em toscos violões, por lentas horas,
Vibram, com a graça virgem dos garotos,
Um concerto de lágrimas sonoras!

Quando uma voz, em trêmolos, incerta,
Palpitando no espaço, ondula, ondeia,
E o canto sobe para a flor deserta
Soturna e singular da lua cheia.

Quando as estrelas mágicas florescem,
E no silêncio astral da Imensidade
Por lagos encantados adormecem
As pálidas ninféias da Saudade!

Como me embala toda essa pungência,
Essas lacerações como me embalam,
Como abrem asas brancas de clemência
As harmonias dos Violões que falam!

Que graça ideal, amargamente triste,
Nos lânguidos bordões plangendo passa...
Quanta melancolia de anjo existe
Nas visões melodiosas dessa graça.

Que céu, que inferno, que profundo inferno,
Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos,
Quanto magoado sentimento eterno
Nesses ritmos trêmulos e indecisos...

Que anelos sexuais de monjas belas
Nas ciliciadas carnes tentadoras,
Vagando no recôndito das celas,
Por entre as ânsias dilaceradoras...

Quanta plebéia castidade obscura
Vegetando e morrendo sobre a lama,
Proliferando sobre a lama impura,
Como em perpétuos turbilhões de chama.

Que procissão sinistra de caveiras,
De espectros, pelas sombras mortas, mudas.
Que montanhas de dor, que cordilheiras
De agonias aspérrimas e agudas.

Véus neblinosos, longos véus de viúvas
Enclausuradas nos ferais desterros
Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas,
Sob abóbadas lúgubres de enterros;

Velhinhas quedas e velhinhos quedos
Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos
Sepulcros vivos de senis segredos,
Eternamente a caminhar sozinhos;

E na expressão de quem se vai sorrindo,
Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos
E um lenço preto o queixo comprimindo,
Passam todos os lívidos defuntos...

E como que há histéricos espasmos
na mão que esses violões agita, largos...
E o som sombrio é feito de sarcasmos
E de Sonambulismos e letargos.

Fantasmas de galés de anos profundos
Na prisão celular atormentados,
Sentindo nos violões os velhos mundos
Da lembrança fiel de áureos passados;

Meigos perfis de tísicos dolentes
Que eu vi dentre os vilões errar gemendo,
Prostituídos de outrora, nas serpentes
Dos vícios infernais desfalecendo;

Tipos intonsos, esgrouviados, tortos,
Das luas tardas sob o beijo níveo,
Para os enterros dos seus sonhos mortos
Nas queixas dos violões buscando alivio;

Corpos frágeis, quebrados, doloridos,
Frouxos, dormentes, adormidos, langues
Na degenerescência dos vencidos
De toda a geração, todos os sangues;

Marinheiros que o mar tornou mais fortes,
Como que feitos de um poder extremo
Para vencer a convulsão das mortes,
Dos temporais o temporal supremo;

Veteranos de todas as campanhas,
Enrugados por fundas cicatrizes,
Procuram nos violões horas estranhas,
Vagos aromas, cândidos, felizes.

Ébrios antigos, vagabundos velhos,
Torvos despojos da miséria humana,
Têm nos violões secretos Evangelhos,
Toda a Bíblia fatal da dor insana.

Enxovalhados, tábidos palhaços
De carapuças, máscaras e gestos
Lentos e lassos, lúbricos, devassos,
Lembrando a florescência dos incestos;

Todas as ironias suspirantes
Que ondulam no ridículo das vidas,
Caricaturas tétricas e errantes
Dos malditos, dos réus, dos suicidas;

Toda essa labiríntica nevrose
Das virgens nos românticos enleios;
Os ocasos do Amor, toda a clorose
Que ocultamente lhes lacera os seios;

Toda a mórbida música plebéia
De requebros de faunos e ondas lascivas;
A langue, mole e morna melopéia
Das valsas alanceadas, convulsivas;

Tudo isso, num grotesco desconforme,
Em ais de dor, em contorsões de açoites,
Revive nos violões, acorda e dorme
Através do luar das meias noites!


Fonte: www.dominiopublico.gov.br

Resumo: O movimento simbolista é uma reação contra a onda de cientificismo e materialismo a que esteve submetida a sociedade industrial europeia na segunda metade do século XIX. Procuravam resgatar certos valores românticos como o espiritualismo, o desejo de transcendência e de integração com o universo, o mistério, o misticismo, a morte, a dor existêncial (sem cair na afetação sentimental do Romantismo). Buscaram uma linguagem que fosse capaz de sugerir a realidade. Para isso, fizeram uso de símbolos, imagens, metáforas, sinestesias (cruzamento de campos sensoriais diferentes como "amarelo quente"), além de recursos sonoros e cromáticos, tudo com a finalidade de exprimir o mundo interior, intuitivo, anti-lógico e antirracional. Apesar de ser abafado pelo movimento parnasiano no Brasil, tivemos um grande representante que foi Cruz e Sousa.


Fonte do resumo: CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens: literatura, gramática e redação. São Paulo: Atual, 1994.

*Imagem: Mulher com guitarra, de Renoir, obra do Impressionismo francês.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Momento Fernando Pessoa - parte 2



O CORVO *
(de Edgar Allan Poe)

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!


(tradução feita por Fernando Pessoa)

* Traduzido de The Raven, de Edgard Allan Poe, ritmicamente conforme com o original.

**Fonte: http://www.insite.com.br/art/pessoa/coligidas/trad/921.html

terça-feira, 12 de maio de 2009

Momento Fernando Pessoa - parte 1


MANHÃ


Para que vens? Já perdi
Há muito a esperança em ti.
Mais um dia? Passará
Como tudo que eu senti,
Tudo que eu nem tenho já.

Estou cansado de tudo
Para que vens? Dormirei
Em breve gélido e mudo.
Vens dizer que eu passarei
Como tu? Eu já o sei.

Passarei. Nessa tristeza
Um dia embalei a vida.
E nem dela de dolorida
Já a formidável certeza
De passar mal é sentida.

P'ra que morrer? Conhecer
Inda quis e me cansei.
Nada soube e nada sei.
Não sei para que viver,
Nem sei porque morrerei.

À indiferença da dor
Extrema pois me recolhi.
Menti, não quero o horror
De pensar
Leva-me cedo p'ra ti.

Mas o inevitável tem
Mais horror que tudo
Mesmo que sejas um bem
Muito queria ter um escudo
Contra ti, ignoto além.


NOITE

Ó Noite maternal e relembrada
Dos princípios obscuros do viver;
Ó Noite fiel à escuridão sagrada
Donde o mundo é o crime de nascer;

Ó Noite suava à alma fatigada
De querer na descrença pode crer;
Cerca-me e envolve-me... Eu não sou nada
Senão alguém que quer a ti volver...

Ó Noite antiga e misericordiosa.
Que seja toda em ti a indefinida
Existência que a alma me não goza!

Sê meu último ser! Dá-me por sorte
Qualquer cousa mais minha do que a vida,
Qualquer cousa mais tua do que a morte!


TRISTEZA

Falo-me em versos tristes,
Entrego-me a versos cheios
De névoa e de luar;
E esses meus versos tristes
São tênues, céleres veios
Que esse vago luar
Se deixa pratear.

Sou alma em tristes cantos,
Tão tristes como as águas
Que uma castelã vê
Perderem-se em recantos
Que ela em solslaio, de pé,
No seu castelo de prantos
Perenemente vê...
Assim as minhas mágoas não domo
Cantam-me não sei como
E eu canto-as não sei por quê.


Comentário: Fernando Pessoa (1888 - 1935) é o maior poeta moderno de Portugal. Dedicou seus estudos a diversas e estranhas variantes, como da astrologia à cabala, do espiritismo à maçonaria. Criou vários heterônimos (entre os principais, Alberto Caeiro, Bernardo Soares, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) que apresentavam visões diferentes da literatura, além de seus estilos distintos. Recomendo procurar mais para conhecer bem este poeta tão diversificado.

*Fonte: Revista Entrelivros n 10. (www.revistaentrelivros.com.br)

quarta-feira, 4 de março de 2009

O galante atirador


XLIII
O GALANTE ATIRADOR

O carro atravessava o bosque, quando ele o fez parar à proximidade de um tiro, dizendo que lhe seria agradável atirar algumas balas para matar o Tempo. Matar este monstro não é a ocupação mais trivial e legítima de cada pessoa? - E ele ofereceu galantemente a mão à sua cara, deliciosa e execrável mulher, a esta misteriosa mulher a quem deve tantos prazeres, tantas dores, e talvez também grande parte de seu gênio.

Várias balas bateram longe do alvo proposto; uma delas até cravou-se no teto; e como a encantadora criatura ria loucamente, zombando da inabilidade do esposo, este voltou-se bruscamente para ela e lhe disse: "Observe aquela boneca, lá, à direita, que tem o nariz arrebitado e um jeito tão altivo. Pois bem, caro anjo, faço de conta que é você". E ele fechou os olhos e puxou o gatilho. A boneca foi nitidamente decapitada.

Então, inclinando-se para a sua cara, deliciosa, execrável mulher, sua inevitável e impiedosa Musa, e beijando-lhe respeitosamente a mão, acrescentou: "Ah! Meu caro anjo, quanto lhe agradeço por minha habilidade!"

(autor: Charles Baudelaire)

*Da obra de Charles Baudelaire (1821-1867), mestre da tradição francesa dos poetas malditos, derivaram o anticonvencionalismo de Rimbaud e Lautréamont, a musicalidade de Verlaine e o intelectualismo de Mallarmé. A verve do autor de As flores do mal revela a herança do romantismo negro de Edgar Allan Poe e Gerard de Nerval.

Bibliografia: Baudelaire, Charles. Pequenos Poemas em Prosa. São Paulo: Editora Record, s/d.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Versos íntimos


Olá! O mês de janeiro está acabando e passou rápido. Aliás, por que temos essa sensação de que algumas coisas passam rápido e outras não? Será a quantidade de acontecimentos? Enfim, acho que um psicólogo pode me ajudar a responder isso.
Hoje trago poemas, algo que deixei um pouco esquecido no meu blog por conta de textos de reflexão e músicas. E nada mais agradável do que trazer um dos meus poetas favoritos: Augusto dos Anjos! A princípio, ele se assemelha um pouco a Baudelaire (já citado neste blog - clique aqui para ver), mas digamos que é muito difícil um enquadramento histórico-estético pois ele tem um quê de vários outros estilos, como naturalismo, parnasianismo, simbolismo, etc. Mas enfim, sua filosofia de dor e verdade, assim como sua linguagem agressiva, madura e niilista me agrada desde a primeira vez que li um poema seu. Abaixo, coloco três poemas desse intrigante poeta!
Abração a todos!


VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - essa pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


VÍTIMA DO DUALISMO

Ser miserável dentre os miseráveis
- Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiossincrasias!

Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!

Psiquê biforme, o Céu e o Inferno absorvo...
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!


AO LUAR

Quando, à noite, o Infinito se levanta
À luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com minha plenitude!


*Para ler mais poemas, veja Eu e outras poesias, de Augusto dos Anjos!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

"Olhos de cigana oblíqua e dissimulada"


E com este título introduzo o meu tópico de hoje neste humilde blog. Sem dúvida nenhuma, Dom Casmurro é o meu romance favorito de Machado de Assis. Alegra-me muito ao ver que a Globo adaptou o romance para a televisão e que muitas pessoas possam se encontrar com aquilo que imaginaram um dia quando leram a obra. O meu maior desejo é que pessoas menos favorecidas (entenda-se: analfabetos ou sem acesso a uma boa cultura) possam estar compartilhando em sua telinha um dos maiores romances (e intrigantes) da história da literatura brasileira.

Como a época em que foi escrito o romance foi o Realismo, Machado de Assis procurou mostrar (eu até arriscaria dizer "aprofundar") a teoria das neuroses e os problemas da realidade brasileira, como uma suposta traição. Além de ser narrado em primeira pessoa e manter um constante diálogo com o leitor, Machado nos deixa limitado apenas à visão de Bentinho. Tudo o que está escrito lá foi a maneira como ele sentiu, viu ou interpretou os fatos. Seria mais ou menos como pisar em um chão não muito seguro, sem a certeza de que ele vai ou não aguentar o seu peso. Interpretar uma coisa ou outra, isso vai depender da visão de cada um ao ler a obra, mas ela só nos mostra o ponto de vista do garoto/homem obcecado e morto de ciúmes por sua amada Capitu.

No entanto, agora já colocando o meu ponto de vista sobre a obra, mesmo Bentinho sendo doente de ciúmes, Capitu era muito viva e esperta, como se fosse alguém além de seu tempo. As esconfianças de Bentinho parecem fazer algum sentido para mim em algum momento da obra (será que eu me identifico muito com ele e sou um igual neurótico? Ah, fico contente que não serei o único neste planeta!) que Capitu possa ter vivido algum romance com Escobar. Se a obra mostra as neuroses da época (época até mesmo que supostamente Freud começou a desenvolver suas pesquisas), ela também nos mostra o lado "realista" da sociedade. Enfim, Machado é um gênio ao desenvolver uma obra que tende para esses dois lados e sem mostrar um final concreto.

Parabéns a Globo por fazer essa adaptação e nos livrar momentaneamente de seus Big Brothers. Os telespectadores, como agradecimento, poderiam dar mais audiência para os raros momentos culturais da emissora do que momentos da "casa mais vigiada do Brasil".


*imagem extraída da internet.
**Referência bibliográfica:
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: FTD, 1999.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Barroco

BARROCO = Pérola de formato irregular. Qualquer coisa obscura. Reflete, pois, o conflito desse período.

CARACTERÍSTICAS = fé em Deus com um pé atrás, antropocentrismo versus teocentrismo, conflito entre carne e alma, cores mais pesadas, quadros descentralizados, desequilíbrio, claro e escuro, volta a noção de pecado, predomínio de figuras de linguagem, fé e razão, etc.

CULTISMO = Valoriza o "como dizer" (jogo de palavras).

CONCEPTISMO = Valoriza o "o que dizer" (jogo de idéias).


AO BRAÇO DO MESMO MENINO JESUS QUANDO APPARECEO.

O todo sem a parte não é todo.
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
O todo fica estando em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.


Gregório de Matos